17 julho 2008

Bairro Alto

As ruas estão secas, os corações desalmados, tudo quer caminhar para todos os lugares e por fim acabam por não ir a lugar nenhum.
As ruas não levam a lugar nenhum, levam a todos.
E correm, por labirintos de ruas.
O fim em si, é um beco sem saída, os outros fins, que movem a algo, vagueiam sem fim nenhum, de vida oca.
Dor, dor amarela que mascara os rostos de olhos cegos. Olhos com lágrimas sentidas mas não compreendidas. Ou mulas sem cabeça à procura delas.
Ruas secas, com sangue seco, a escurecer. Vacas vagueiam bravas com os olhos a crispar raios de pânico. O pânico leva à bravura. A bravura rasga a carne quente, sangue…
Quando chove, as ruas ainda permanecem secas.
Lisboa, Janeiro 1998

De se ser

A infinitude do mistério de se ser, ser-se algo que não se conhece. O abismo do ser num contexto de não saber o que se é, ou de onde se é, ou para onde se vai.
Nós, o único ponto de referência entre os dois infinitos. O abismo exterior, a imensidão do cosmos, uma distância espácio-temporal inconcebível, a esmagadora fatalidade do devir, o constante movimento que nos empurra para o existir, existir na cegueira … o imenso abismo interior, a caixa de surpresas, o poço sem fundo, o labirinto dos pensamentos nascidos da ligação com um corpo que caminha para a morte… as prisões do espírito, as tendências da razão em luta com a emoção, guerras instituídas. O medo de avançar no abismo das nossas almas, tão misteriosas e imensas como o firmamento cheio de planetas e estrelas desconhecidas.
Olho para dentro de mim e vejo a galáxia, um céu escuro, quase negro com muitos pontinhos a brilhar, longínquos. Sinto um vento a vaguear, traz pensamentos movediços, sem nexo e direcção a despentear toda a minha alma…o estímulo da minha existência, o fogo que me mantém, ser-se tão pequeno e tão grande. Uma pequena partícula que em si tem tudo o que tudo tem, tudo o que o mistério tem… 1997
Vaga de notas
Vulgata, aproximação de ser “vulvo”. O som balança os tímpanos, timbalóides, que invadem os ouvidos do coração, com um cenário cheio de imagens sem sentido que dizem tudo. Até o silêncio de fundo está impregnado de notas oblíquas que atravessam os tecidos fibrosos do ser sensorial. Visão cheia de meandros clarificados pelo fogo que nasce na imagem acesa da mente, mente que vaga numa vaga de notas…

10 julho 2008

Poetas de Lisboa

Ode a Fernando Pessoa
Tão oco
Tão cheio
O teu ser estremecia de agonia
Onde foste com ela?
Ias e voltavas na tua forte fraqueza
Na tua fortaleza
Eras tão pequenino, tão insignificante
Com as angústias da tua passagem desassossegante
O teu frenético medo e a tua brilhante e inadaptável alma.
Espero-te agora grande
Não pelo que foste e nos deixaste
Mas pelo que brilhas no universo, pela eternidade
Teu lugar

Esplanada de Lisboa
Ócio…
Ócio dos bons
A tarde esvai-se
O vento frio voa
Perdem-se coisas malandras e confusas
O amarelo tenta reflectir
O cão passa, passas…
Pulgas
Vão, vêm, vai
Autocarro apinhado
Trabalho por vagas febris
Aqui, ócio
Só fresco
Divagar, devagar…

Lisboa, que me tens no teu regaço, deixa as estrelas invadirem a tua nostalgia!

Março 1996

06 julho 2008

De volta ao Brasil

Parece que voltei ao passado, está tudo igual, as crianças cresceram, umas casitas novas, mas continua tudo igual, a mentalidade, os rituais, o céu. Uma semana já passou, não fiz nada, esta pasmaceira deixa-me ansioso, queria sumir pelos campos fora com as minhas cadelas que já morreram. Só eu mudei….
Julho 1994
Eu, a escrever num livro quem nem é caderno ou agenda, em pleno público. “I know you miss me blind” canto. Aviões, malas, passageiros anónimos no meu mundo. Revista Federal, 1ª vez, é legal! Pois, estava tudo na cabeça! Deixei os discos dos UB40 e YES em Florestal, floresta astral, viagens… que viagens… Devia ter ficado em Minas, saí, assim, de “sulapanço”. Vou sentir a tua falta… Brásiu!
“Meu verde que te quero rosa!”
Prisão das memórias do passado, doce prisão...
Aeroporto S.Paulo, 6 Setembro 1994

Será que vou te amar?

Tenho ilusão!
Pois a vida é tão certa e nada te importa,
Como passar de porta em porta
Quando fecho os olhos, vejo o sol a bater-te na cara,
Como se fosse algo de belo
E no entanto, a felicidade não passará dali
Como algo de borga.

Cadela Íris
Deus comunica-se comigo. Estou com as costas ao frio e as pernas ao sol, o vento agita as folhas nos galhos leves, numa massagem ardentemente refrescante, os pássaros cantam quase abafando o som do motor movido a petróleo. Atirei-lhe o osso, é tão linda, brilhante ao sol e tão inocente. Quero ser como tu.

1994

Mar e livros de poesia, refúgio do deslocado

Estou nas Azenhas do Mar, a casa é bonita, o riso vem da sala, enquanto a lareira e o álcool os aquece. Sinto-me, outra vez, excluído, não por eles, mas por todos os círculos da sociedade. Não me consigo integrar. Vi televisão a noite toda, as desgraças filmadas do mundo, um filme de terror que até me deixou com medo não sei de quê e um de sexo explícito que comeu o meu tesão. Encontrei um livro de poesia grosso na prateleira cheia de pó, vou ler para tentar “fugir” ou “encarar” a minha existência neste mundo. Não gosto de como o mundo anda, mas gosto do mundo, do seu potencial, da sua beleza. Não gosto de estar neste mundo, mas adoro viver. O jazz salva o ar…. “um sinal de eternidade espalhado nos corações rápidos” gostei desta frase. Pelo menos, tenho o mar e livros de poesia. 1994

Por onde andas?

Amor, quando me vens visitar? Está bem, não estou preparada… sonhos, sonho contigo. Onde está a minha outra metade? Parecem-me todos tão “fracos”, tenho que ser eu a descer os degraus para vos puxar docilmente, a tentar abrir-vos a alma, com o prazer do corpo, o pecado, a paixão, carne, o meu duo, animal e espiritual; o conflito acaba por gerar a harmonia?


Posso dizer-te que te amo? Posso? Posso? Desliga esse rádio e deixa-me dizer-te que te amo. “Ai quem me dera ser uma rosinha” – rio-me da música. Em vez de palavras, quero seguir o ritmo do instinto, do criar de tudo, da música do universo, do criar da vida.
1994

O que vai na cabeça de uma criatura de 22 anos?

1993

O andarilho!
Tantas coisas se passam nestes dias agitadíssimos, de um lado para o outro, na minha euforia de viver, na minha inquietude dos vais e vens de andarilho. Não chego a sentir cansaço, isso não, mas uma vontade, cada vez maior, de ter um lar. Quando é que vens, morte? Mata-me, enterra este andarilho desasado. Só não leves a euforia que sinto por estar vivo.

...
“o encontro com Deus (a fé) nasce no mar infinito da incerteza” – Kierkegaard …

Nós
Amo-te, não sei como, porquê, amo-te sem querer possuir-te, mas sim fazer parte de ti, de nós.


O caminho
Espírito de aventura sem os olhos na conquista.


Novo Mundo

Às bombas, aos preservativos, à pílula, ao papa, à Igreja, aos da direita e da esquerda, ao petróleo, ao aborto, à moeda d’ouro, ao parlamento, ao álcool, aos entorpecentes do corpo e da mente, aos meios de comunicação, aos carros, máquinas mortíferas, aos fanáticos – vamos dissolvê-los no oceano? Evaporá-los no espaço?

02 julho 2008

Nirvana

Minha casa é em qualquer lugar
- estou sempre mudando
- É o tempo que não espera para envelhecer
É o mundo que não coube na minha cabeça...
Universo - Fragmento
Minha casa
Meu átomo-eu
Matéria que limita o meu cérebro
Minha casa
Minha cabeça
Minha prisão

Março 1989 - Brasil - Fernando Silva

A Flor

Linda flor num vaso
No parapeito da janela
As pessoas passam por acaso
Sem perceberem a presença dela

E assim, o tempo passou
E a rotina das pessoas continuava
De sede a linda flor murchou
Porque ninguém a regava

Os fortes raios de sol a torravam
As pessoas agora faziam caso
Com desdem a olhavam
"- Que feia flor naquele vaso."

Junho 1986