14 outubro 2008

Pensar é estar doente dos olhos

"O meu olhar é nítido como um girassol.
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás…
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem…
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras…
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo…

Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender…
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo…

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos…
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem o que é amar…

Amar é a eterna inocência,
E a única inocência é não pensar…"

Alberto Caeiro

A essência de Deus

Ele disse que Ele era esse, o outro disse que Ele é o outro, mas aquele tem a dizer que Ele não é Aquele outro, nem Esse, nem Aqueloutro, mas sim Este, mais tarde Aquele será contestado por outrem e neste andamento cíclico, as guerras instituem-se, depois a misericórdia, depois a guerra, depois a reconstrução, a guerra, a paz, a guerra e assim continuam á procura onde não está, pois aqui não é e ali é melhor. E há aqueles que não procuram porque procurar cansa, dá desassossego e ansiedade, é melhor acreditar que não acreditar é que é. Passar a não ter um caminho para a verdade, melhor, a procura desta, que implica respostas para a existência, Deus. Levar ao tal niilismo de que Nietzsche fala, a filosofia a perder o estatuto abstracto da procura da verdade e passar a ser a filosofia da consciência do sentir. Daí o salto, o início da descoberta, o desafio do reencontro com a essência, a consciência do todo como tudo, seja esse todo finito ou infinito. Génesis: “então disse o Senhor Deus: eis que o homem se tornou um de nós, conhecedor do bem e do mal”. E porque está guardada a árvore da vida? Será essa a procura que o homem se empenhou e empenha para alcançar a eternidade? Ou será a árvore da vida a procura que o homem nunca se empenhou? …o homem minimiza-se ao ponto de se tornar um angustiado, num imoral joguete que a ele próprio se impôs. Não será Ele um álibi para nos desviar da árvore da vida?

Fevereiro 1997

Quem me diz que a vida não passa de um sonho? Quem me diz que a vida não é um exercício do espírito que, provisoriamente, anda por este mundo, uma etapa da sua existência infinita? Sou uma alma nova? Esta vida talvez seja uma das primeiras provas – a consciência de um estado material. Daí a dificuldade de viver, porque o nosso estado natural, etéreo, entra em choque com uma coisa que é estranha á sua natureza, a matéria, a prisão. O meu espírito não quer sentir-se preso, por isso luta com inquietude, sem saber muito bem o que fazer para se sentir livre. A liberdade é o desligamento consciente e amistoso com a matéria.

13 outubro 2008

Janeiro 1997

Tento lidar o mais sobriamente possível com a dor, investir num jantar com amigos do peito, para distrair. Olham-me com ar sério e emitem palavras de reconforto, dão conselhos com as melhores das intenções, mas são todos contrários ao que desejo. Todos. Então, bebedeira, música bem alta e escuridão iluminada com luzes coloridas. As ruas de Lisboa linda, as ruas que me reconfortam, para elas sou um estranho, estão alheias ao meu sofrimento, por isso não me olham com cara preocupada, fazem parte do meu alheamento ao sonho, porque alheias estão lá, eu vivo a olhá-las e a sentir Lisboa, a boa, com pessoas alheias. Mais um dia, e eu, ao sol, nestes dias azuis de Inverno, caminho com o cabelo a brilhar. Lisboa, o teu padroeiro é Sto António, abençoa o meu primeiro amor!...