23 fevereiro 2012

Malmequer

Shakespeare acreditava que éramos os senhores do nosso destino. Também eu pensava assim. Mas seria arrogância pensar-se que estamos desvinculados dos desígnios da natureza e do céu. O certo é que temos o poder de escolher e por isso, somos responsáveis pelas nossas escolhas. O que não é tão certo são as consequências das nossas escolhas. Todas as nossas escolhas têm consequências, mas nem sempre aquelas que julgávamos ter. A vida é pautada por decisões, pequenas e grandes, e que na altura em que as tomamos fazemos o melhor para que sejam decisões acertadas. No entanto, as consequências dessas decisões muitas vezes são um mistério. O certo é que há sempre um “preço a pagar” e somente quando as consequências dessas escolhas se revelam é que podemos aferir se foram boas ou más decisões. Uma decisão tem sempre um risco inerente, e é esse risco que não temos o poder de controlar. Temos o poder de decidir dentro de um frame determinado, condicionado por diversas variáveis, algumas delas ultrapassando a esfera do poder humano.

Uma enfermeira decidiu registar as lamentações mais comuns dos pacientes que estão à beira da morte, sendo sentimento inerente a todas as lamentações, a noção de que se soubessem o que sabem naquele momento teriam feito diferentes escolhas durante a vida.

Dêem um pontapé no planeta Terra para qualquer canto negro e frio do universo que quero ver os humanos a decidir o seu destino.

22 fevereiro 2012

Recapitulando

Das minhas experiências amorosas testemunhei e aprendi com os meus parceiros que o amor à primeira vista é possível, que um amor para toda a vida existe, que o que importa é viver o dia-a-dia sem se preocupar muito com o amanhã, que o bom sexo não precisa estar vinculado a um grande amor, que o controlo não traz felicidade, que quando se quer não há fronteiras nem distâncias, que a tolerância ou amor incondicional e a cumplicidade são fundamentais para a harmonia conjugal e que com medo de amar nunca se pode amar.

Até que foi um trajecto positivo.

21 fevereiro 2012

Facto que muitos se esquecem

O que evoluiu foi a técnica. O instinto humano ainda é o mesmo.

20 fevereiro 2012

Sobre a extinção do bacalhau

I

Em Portugal já é difícil arranjar um trabalho, quanto mais um part-time. Por isso é que sou de opinião de que os vínculos laborais deveriam ser diferentes dos actuais para facilitar a mobilidade dos recursos humanos e a dinamização da economia nestes tempos de queda.

Por exemplo, se se criassem dois turnos mais pequenos de trabalho, em vez de um longo, haveria mais pessoas a trabalhar, maior produção e, consequentemente, mais consumo. Em vez disso, milhares estão sem nada para fazer (muitos a receber subsídios de desemprego) e outros milhares sobrecarregados em diversas dimensões das suas vidas, nomeadamente, e a mais importante, a falta de tempo e dedicação à família.

II

Em Portugal existem dois tipos de mães, aquelas que trabalham e por isso, afectam a sua relação com os filhos simplesmente por não terem tempo para lhes dedicar e aquelas que optam por estar perto dos filhos, muitas vezes sacrificando a carreira profissional, e são mal vistas em sociedade. Ambas situações frustrantes, por um lado, as mães que só vêem os filhos em média 2h/dia durante a semana e aos fins-de-semana nem sempre os vêem, ou porque são divorciadas e vão ter com o pai, ou porque estão tão cansadas que os deixam com os avós. Por outro lado, aquelas que têm o privilégio de acompanhar de perto o crescimento dos filhos são muitas vezes estigmatizadas, muitos e muitas considerando-as preguiçosas, incapazes de produzir riqueza ou inúteis.

III

Sempre considerei a família o pilar da sociedade e o pilar da minha vida. E entristece-me que em Portugal a família seja instituição em decadência e por isso, é bem provável que o bacalhau deixe de ser um animal com risco de extinção, porque quem parece que vai desaparecer primeiro são aqueles que mais o comem.

14 fevereiro 2012

Percepções (II)

Ser um ser que ninguém pode perceber completamente porque aquele que percebe só percebe aquilo que consegue perceber é, de certa forma, um tipo de liberdade.
Liberdade porque ninguém, mas ninguém, jamais conseguirá invadir o meu reduto, o meu lar interior, a dimensão para além das percepções dos outros...onde tudo é possível e tão incrível que muitas vezes nem eu percebo.

O nariz vê o que os olhos não conseguem

Estava num elevador e quase vomitei por causa do excesso de perfume que uma senhora usava. Esta ocorrência fez-me lembrar um episódio em que o que vi não correspondeu ao que cheirei. Era o partido mais cobiçado da cidade, e realmente era um Adónis, espadaúdo, que fazia suspirar as garotas quando tirava a t-shirt suada depois do jogo de futebol, o seu sorriso com uns belos dentes alvos que sobressaiam por causa da sua pele morena, os seus olhos verdes, os cabelos negros… E demonstrou interesse em mim, esperava-me depois das aulas para me oferecer flores, lançava-me olhares ternurentos. Mas quando me veio beijar… arrr, o seu cheiro… fez-me repudia-lo para sua surpresa e alegria de todas as pretendentes roídas de inveja.

É claro o poder dos cheiros nos nossos processos psíquicos, no desenvolvimento de sensações e emoções que acabam armazenadas na memória. E como é forte a memória de um cheiro.

Os cheiros são “criaturas” fantásticas, não se vêem, mas sentem-se de tal forma que influenciam drasticamente os processos químicos do nosso corpo. O olfacto é o sentido que mais está ligado ao instinto e aos processos inconscientes. Estudos recentes, para além de outros factos, desvendam ligações directas, mas inconscientes, dos odores com as escolhas de parceiros, provando que o olfacto é o sentido com maior impacto nessas escolhas.

Gosto de sentir odores agradáveis, mas o perfume que disfarça o cheiro natural do corpo é como se fosse uma máscara. As pessoas andam perfumadas para disfarçar o seu cheiro, que por sua vez confunde quem as cheira.

Por isso, questiono-me, serão os perfumes responsáveis pelas más escolhas de parceiros?

Será que o personagem do livro “O Perfume” é uma caricatura exacerbada para ilustrar a ilusão que os perfumes podem causar?

13 fevereiro 2012

Diálogo entre a esperta e a parva

- Oh pá, tu és parva!

- És capaz de ter razão.

- Tenho pois, há anos que o gajo te diz que não quer nada contigo.

- Eu sei.

- Então se sabes, porque continuas nessa?

- Não sei, já fiz tudo o que sabia mas não resultou.

- Não será o teu ego indignado?

- Indignado com quê?

- Com a rejeição.

- Ah, nunca tinha pensado nisso…

O prazer mora ao lado do amor

Todos os meus amigos já lá foram, dizem que é muito fixe e por isso também quis lá ir. Mas quando chegámos havia uma fila enorme para entrar. Nem pensar, ficar na fila e ainda por cima com um frio de rachar. Entrámos na porta ao lado com um nome um pouco irónico, dado às circunstâncias.

O prazer mora ao lado do lugar de nome que atrai os românticos, se de um lado aspira-se, deste lado materializa-se a simpatia no dono que ofereceu shots, a sensualidade na bailarina de mamilos brilhantes, o humor no show de cabaret e o amor nas letras das músicas que aqueceram o corpo.

Acabei por não entrar no lugar da moda como planeado, mas saí com grande satisfação do lugar que se não fosse o imprevisto, se calhar não teria tido oportunidade de conhecer.

E viva a velha!

06 fevereiro 2012

Da arte

"Trabalho é a arte de transformar sonhos em realidade."

in Aldeias de Portugal

Amo a tua alma

Não foram os orgasmos simultâneos que tivemos juntos, não foram os teus beijos que me faziam flutuar, não foi o teu olhar que me estremecia, nada disto me marcou tão profundamente como as tuas dissertações.

Foram aquelas noites em que depois do jantar nos deitávamos nas espreguiçadeiras na varanda a conversar. Noites quentes com a brisa a transportar as nossas palavras cheias de emoção sobre filosofia e política, os nossos temas preferidos. As estrelas eram o limite para os nossos devaneios intelectuais que nunca nos levavam a conclusões, mas traziam-nos sempre novas questões. As diferentes perspectivas partilhadas com entusiasmo, sem desejarmos impor a nossa (limitada) razão. E a tua característica para discordar, questionar tudo de uma forma às vezes tão derrotista, de homem cheio de esperança mas de fraca fé, em vez de me irritar, só me estimulava mais e mais.

As roupas e penteados saem de moda, as músicas são outras, as rugas invadem o meu rosto, mas as nossas partilhas - os serões a filosofar sobre a vida e a sociedade - essas ecoam na minha alma como o tesouro mais importante da minha relação contigo.

E amo-te por isso, porque manténs o meu espírito entusiasmado, o meu intelecto acordado, não permitindo que definhe por causa da loucura do mundo em que vivemos, nem que adoeça contaminado pela futilidade corrosiva que me espreita sorrateira em todas as esquinas.

Mesmo que já não tenha o teu corpo a meu lado.

02 fevereiro 2012

País de velhos II

Portugal, país de pessoas envelhecidas, enclausuradas nas suas casas velhas sem elevador ou em lares convento. Abandono das escadinhas das colinas, das redes de pesca, dos campos não mais amanhados pelas suas mãos encarquilhadas. A classe excluída pelo frenesim do desenvolvimento. As famílias a diminuir. Os velhos abandonados à solidão, à pobreza…

Velhos com fome de comida, amor, companhia, sentido de utilidade e conforto.

E a TVI presta o serviço público da ilusão de companhia, o último derradeiro contacto com o mundo exterior, enquanto esperam pela morte...

01 fevereiro 2012

É preciso morrer para voltar a nascer

Não acredito na reencarnação no sentido alegórico que as culturas humanas lhe atribuem. Mas acredito num “tipo de reencarnação” se analisar o processo da vida (e morte) na perspectiva das leis da física e da química. Portanto, se a matéria não se perde mas transforma-se e volta à terra, o espírito, ou a energia que anima a matéria, deve seguir a mesma lógica, transformando-se e voltando à energia que anima o universo.

A eternidade manifesta-se através do ciclo de vida e morte. E o nascimento e a morte nada mais são que processos de transformação. E se esse processo de transformação é eterno, então, tanto a morte como a vida são parte da eternidade. Logo, cada “encarnação” é uma parcela de eternidade a manifestar-se.

Não sou simplesmente o Romeiro que vai morrer um dia e deixar de existir (como Romeiro), sou uma criatura resultante de transformações através da eternidade. Sou um ser eterno em manifestação finita, porque o que é finito é a forma, não o conteúdo.

Seria horrível se tivéssemos que viver para sempre numa só forma, sem o privilégio de morrermos para renascer em novas manifestações de vida eterna.