Difundo (quase) na íntegra um excelente ensaio que, tirando a qualidade da escrita e alguns factos que desconhecia, poderia ter sido escrito por mim. Há anos que faço reflexões sobre a importância da agricultura e das pescas, principalmente em Portugal. Há anos que me questiono porque é que os nossos governos abandonam os seus recursos naturais consecutivamente desde D. Dinis ou exploraram-nos inadequadamente. Há anos que quero voltar a viver no campo e contribuir, de alguma forma, para o desenvolvimento rural deste país.
Portanto, para mim, este ensaio nada me diz de novo, apenas reforça uma antiga convicção e legitima a opinião de um leigo.
Sem mais delongas, com os meus agradecimentos.
Ensaio
de Viriato Soromenho-Marques
"As nações que são governadas por líderes e estadistas, a agricultura nunca é encarada como uma mera atividade económica, mas sim como um tema de segurança nacional. É por isso que o Japão continua a produzir arroz, apesar de o poder compràr no mercado mundial a um terço do preço do arroz doméstico. Uma das questões fundamentais que nos conduziram à atual indigência nacional foi a ignorância e a leviandade com que as nossas pouco esclarecidas elites lidaram com o problema essencial da relação entre o mundo rural e as áreas urbanas. Estado Novo tentou que o campo alimentasse a cidade, não hesitando em lançar uma «épica» campanha do trigo, que conseguiu uma efémera auto suficiência de cereais, com um preço que ainda todos pagamos: a desertificação de milhares de hectares, esgotados por culturas inadequadas, sem respeito dos limites impostos pela ecologia dos solos. Mas Salazar poderia alegar em sua defesa o facto de Portugal não ter nessa altura (1929 e anos seguintes) acesso a recursos financeiros no mercado internacional (ficámos áfastados deles durante seis décadas pela bancarrota de 1892). A isso acresce também a queda a pique das trocas comerciais provocada pela Grande Depressão.
Em Abril de 1971, José Correia da Cunha, então deputado, da «ala liberal», da Assembleia Nacional, surpreendeu à Câmara com um «aviso prévio» em que traçava uma premonitória projeção das tendências do{des)ordenamento do território entre 1971 e 2000. O discípulo e colega de Arlando Ribeiro antecipava a migração interna de mais dez milhões de portugueses das zonas rurais para as metrópoles do litoral. Esse maremoto demográfico obrigaria -advertia o orador - a rigoroso planeamento e execução de políticas públicas, que garantissem o alimento, a qualidade de vida e a preservação do ambiente, sob pena de se cair numa situação de caos urbanístico e entropia de recursos.
Mas a terceira República não deu ouvidos nem a Correia da Cunha nem a Gonçalo Ribeiro Telles. Pelo contrário, tomou boa nota da lei de1965, que garantia a privatização das mais-valias urbanísticas, abrindo o caminho para uma miríade de danos públicos à custa de sórdidos lucros particulares. O que aconteceu nas cidades portuguesas a partir de 1960, intensificando-se pós 1974; foi como que o regresso a um estado de natureza, em sentido hobbesiano. Bairros inteiros semeados sem uma ideia de harmonia, sem espaços verdes, sem a sinalilzação, sequer, de uma aparência de beleza, construídos em função dos interesses mais mesquinhos e da cupidez de promotores imobiliários e seus cúmplices nas administrações r~lunicir -is (?), sem qualquer preocupação com o direito ao conforto e à segurança por parte dos futuros moradores.
Milhares de hectares de ricos solos agrícolas foram pavimentados e impermeabilizados, muitos recursos hídricos subterrâneos foram contaminados e degradados já sem contar com as enormes perdas de água nas deficientes redes de abastecimento para consumo hunano. A enorme distância entre os dormitórios e os locais de trabalho provocam congestionamentos rodoviários, poluição e gastos energéticos totalmente irracionais.
Os votos piedosos de regresso aos campos por parte do mais alto magistrado da Nação não nos fazem esquecer que durante a década em que ele foi responsável pelo Executivo, Portugal viveu como se a agricultura fosse uma atividade económica dispensável. Quem conheça os solos portugueses sabe que dificilmente poderíamos ser autónomos do ponto de vista alimentar. Mas temos todas as condições para produzir mais para o mercado interno, e para proteger zelosamente, em especial nas zonas periurbanas, os solos da Reserva Agrícola Nacional. Trata-se de um imperativo ecológico e estratégico.
Agora, se o sonho europeu se desmoronar num pesadelo, Portugal não tem plano de emergência para substituir as importações agrícolas.
O País terá de se agarrar a Espanha, não pelos ideais de um iberismo federalista, mas, simplesmente, para não morrer à fome.”
In VISÃO 3 de Novembro 2011
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