30 outubro 2010

Peregrino

Romeiro é o meu nome, e Romeiro é o peregrino que vai a Roma. Com o selo de peregrino carimbado à nascença, mais cedo ou mais tarde teria de empreender uma peregrinação, não necessariamente com destino a Roma, mas desta vez a Santiago de Compostela através do caminho francês pelo Norte de Espanha.

Embora já sinta a vida como uma peregrinação, uma romaria onde a experiência de dor, sacrifício, superação, deslumbramento, esperança, gratidão, foi também assim sentida a minha peregrinação, num momento condensado de vida, durante os 200 e poucos km a pé através do caminho de Santiago.

O que fui lá fazer, a princípio não sabia, apenas quis ir, sem preparação física, sem planeamento realístico, sem promessa. Se me perguntarem o que lá encontrei, nada de grande transformação interior ou espiritual, nenhum milagre aconteceu. Vislumbrei lindas paisagens, sofri dores nas pernas que me toldavam o espírito e me faziam questionar constantemente o que ali estava a fazer.

Conheci pessoas de todo o mundo, uns perdidos na peregrinação da vida e querendo encontrar-se no caminho, outros que gostavam de caminhar na natureza, outros com fins religiosos, cristãos ou espirituais, uns mensageiros dos deuses, mas muitos não passavam de turistas coleccionadores de lugares visitados.

À noite encontrava-os, mas durante o dia afastava-me para ficar só. Tive muitas horas para pensar, mas na maior parte do tempo nem o queria fazer, apenas esvaziar o ruído interior, mergulhar no vazio. Desejei tornar-me eremita e ir viver naquelas belas montanhas.

Nas poucas horas em que conseguia adormecer, intervalando os “concertos de cordas” nocturnos das camaratas, tinha sonhos que pareciam sinais, sinais que não sei interpretar, nem quero, porque interpretar sonhos é muito perigoso, até se realizarem, nunca se sabe se são premonições ou desejos inconscientes.

Agora que voltei a casa, sinto um mal-estar, não queria voltar, queria continuar a caminhar até acontecer um milagre, porque acredito em milagres. Mas parece que os milagres acontecem somente quando não esperamos que aconteçam. Não pertencem ao mundo do intelecto que procura a sensatez. Os milagres são insensatos.

O destino, Santiago de Compostela, não o alcancei, o que importa, afinal não era esse o meu objectivo, terminei a caminhada quando descobri porque quis ser peregrino neste famoso caminho, quis fugir, quis afastar-me da rotina de dor, respirar novos ares e encontrar alguma paz mundana. Mas principalmente, quis fechar um ciclo e, simbolicamente, iniciar um novo caminho.

Continuo peregrino, continuarei errante porque ainda não sei para onde quero ir, continuarei por montes e vales a seguir a estrela.

Talvez um dia vá a Roma.

Sem comentários: