Cem anos depois, metade do povo português continua …”na mesma estagnada ignorância, na mesma sofredora passividade. Para ele, a liberdade, todos os direitos do homem, continuavam a consubstanciar-se nesta palavra – obedecer. Deram-lhe liberdade, oh! Fartaram-no de liberdade. Tão-somente não o ensinaram a estima-la e defende-la.”
O que fizeram com a liberdade do 25 Abril?
“…a unidade dos indivíduos colectivos depende da estreita sinergia entre os seus elementos. Em Portugal essa sinergia não existe: os elementos da sociedade portuguesa estão distanciados, secularmente distanciados:”
“O mal da sociedade portuguesa é apenas este – a desagregação da personalidade colectiva, o sentimento de interesse nacional abafado na confusão caótica dos sentimentos de interesse individual…a nossa vida política, económica e moral, não tem sido senão uma série lastimosa de actos de egoísmo individual impondo-se despoticamente ao egoísmo colectivo, ou interesse da nação, e subjugando-o.”
“Por seu lado, a minoria inteligente e honesta, umas vezes por credulidade e boa-fé, outras por desmazelo preguiçoso, ia-se deixando iludir por uma ficção de organização civilizada.”
“ Essa harmonia que parece reinar na engrenagem social portuguesa é uma harmonia toda fictícia. A nossa organização social é uma organização mentirosa, sem unidade, uma ficção de engrenagem civilizada, encobrindo a torpeza dum parasitismo desenfreado e imprudente.”
Manuel Laranjeira escreveu estas considerações em “O Pessimismo Nacional” há cerca de 100 anos.
Falava em 4/5 da população analfabeta. De uma pequena “... elite pensadora e civilizada” e uma outra “parte da sociedade portuguesa, constituída por quadrilhas messiânicas,”… que “… instalava-se parasitariamente no corpo da nação, aproveitando-se da obediência cega, animal, da maioria ignorante, domada e escrava, e ao mesmo tempo da passividade e desleixo nessa minoria activa”.
Cem anos passados e a sociedade portuguesa continua tricéfala, com uma ligeira mudança nos números. Podemos dizer que a composição social actual é composta por 60% de ignorantes (mesmo com cursos superiores), 30% “esclarecidos” e 7% de uma classe corrupta de braços dados com a classe política, igualmente corrupta. Os outros 3% deixo para as excepções.
Só que os 7% controlam as máquinas capitalista e do Estado Soberano e usam mais de 80% do capital e património. E para piorar, este dois compactuam e beneficiam-se um ao outro. São muito amigos.
Continua a ficção de organização civilizada, agora, engenhosamente assente na ilusão de segurança, dos créditos e seguros, que escravizam o povo e fomentam a cobiça. A Igreja caquéctica é substituída pelas catedrais do futebol e pelas produções novelescas de Hollywood e da rede Globo.
Entorpecidos que estão, a viver uma vida centrada no ter, em vez do ser. No ter individual, em vez do ser colectivo.
Por debaixo do véu da democracia, Portugal pouco evoluiu nos últimos cem anos.
Os factos confirmam.
“Quanto à minoria ilustrada, como não há-de ela ser pessimista, se se sente isolada, inutilizada, nesta atmosfera de ignorância? Se sente triunfar apenas a escória mental e moral da raça portuguesa?”
Sendo parte dessa minoria inteligente, honesta e de boa-fé (e sem capital), o que me mói, o que realmente me mói, é a questão de sempre: o que posso fazer para contribuir para a mudança deste cenário tétrico?
Claro que não tenho a ilusão de mudar a sociedade portuguesa, mas plantar, nestas terras lusitanas, umas sementes de clarividência, discernimento, empreendedorismo, atitude positiva, autonomia, responsabilidade e amor.
Senão, vou mesmo ter que emigrar… para algum lugar em que possa ter a oportunidade de ser útil.
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