Guardei as canetas de tinta da China, vendi o
estirador, os cinzéis e o torno, deixei a geometria e os desenhos técnicos, esqueci-me da química, das
sementes, das vacas e cavalos e dos enxertos em rosas e mergulhei no programa
de Filosofia. Li Kant, Kierkegaard e Nietzsche pela primeira vez com 24 anos
para o exame de nacional de Filosofia. Preparava-me para entrar no curso de
Serviço Social. Qual não foi a minha surpresa quando descobri que o tal curso
era num Instituto privado com propinas altas demais para o meu orçamento de
trabalhador-estudante com rendimentos (altos) que não davam direito a bolsa
(paradoxal), e não tive outro remédio senão ir para o ensino superior público.
Entrei em Filosofia. E foi por causa dessa experiência de 2 anos que deixei de
ler quase que completamente.
E sei que é por causa da falta de leitura que não
sei escrever suficientemente bem para conseguir materializar os meus
pensamentos e ideias em palavras escritas articuladas com a mestria dos
letrados.
Nunca fui muito de leituras, o meu corpo
precisava de movimento, a minha mente precisava de criar, a minha mãe
necessitava da minha ajuda em casa, o meu pai levava-me para o seu trabalho, o meu ser vibrava com a interacção com a natureza e o com o amor dos
animais. E quando comecei realmente a ler, foi quando entrei na universidade. E
qual não foi o meu desapontamento quando muito do que li até parecia escrito
por mim (a essência, não a forma genial de descrever e sistematizar as ideias),
as minhas reflexões sobre a humanidade e a sua justiça, ética e a metafísica,
estavam ali. Senti-me miserável, um leigo a sentir que já sabia aquilo que os
mestres do pensamento nos legaram.
O impacto foi tão grande que abandonei os livros
e o curso de Filosofia. Voltei à acção, para colocar a Filosofia sobre o Bem e a
Justiça na prática. Acabei por me licenciar em Serviço Social (recebi uma
herança de uma tia-avó), e para isso li livros muito específicos, de Direito,
como o Código Penal e Civil e Direito de Família, Sociologia, Antropologia,
Políticas Nacional e Europeia, Economia, Estatística, portanto, mais técnico e
com uma forte vertente prática (2 anos de estágio). Fiz relatórios de estágios
bem cotados e uma tese de investigação social inovadora naquele Instituto. Mas
pouco lia. Lia o essencial.
Preciso de escrever, escrevo quase todos os dias,
mesmo que de nada se trate, mesmo que sejam futilidades, esquemas ou
planeamento da vida prática, mesmo que sejam coisas simples e de senso comum.
Crio pensamentos em vez de ler pensamentos porque, de certa forma, penso que
tenho tido receio em perder a minha, senão originalidade, pelo menos a
genuídade ou a inocência. Não queria sofrer influências ao ponto de não
conseguir ser independente no pensamento.
Mas depois de tantos anos a escrever coisas
inúteis, por não ter vocabulário e bases suficientes para me expressar, por
querer aprender mais, começo a chegar a uma fase menos arrogante (quem sou eu
para recusar estudar os mestres?) e já sem medo de sofrer influências e
perder-me de mim.
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