13 outubro 2013

Os poucos livros da minha vida

Desde tenra idade que andava em jardins, praias e piscinas, estábulos, currais, hortas, montes e pinhais, a subir a árvores, a andar de bicicleta, a bordar tapetes de arraiolos e a desenhar em estiradores. Passei pelas oficinas de fundição, cinzelagem e serralharia. Só por gosto pela acção, a Natureza e as Artes. Mas quando chegaram os tempos de entrar na Universidade, dividia-me entre Arquitectura, Joalheria, Escultura por um lado, e as Ciências Sociais e Políticas por outro. Uma bela manhã decidi voltar a fazer o 12º ano em Ciências Sociais e Humanas. Idealizava  projectos de empreendedorismo social (isto nos princípios dos anos 90 em que ainda ninguém falava disso e eu nem conhecia o conceito), em que as pessoas carenciadas de oportunidades e as populações “problemáticas” poderiam florir através das artes e de pequenos negócios ligados aos ofícios antigos e manuais, à agricultura e aos animais. Sonhava com o êxodo urbano.
Guardei as canetas de tinta da China, vendi o estirador, os cinzéis e o torno, deixei a geometria e os desenhos técnicos, esqueci-me da química, das sementes, das vacas e cavalos e dos enxertos em rosas e mergulhei no programa de Filosofia. Li Kant, Kierkegaard e Nietzsche pela primeira vez com 24 anos para o exame de nacional de Filosofia. Preparava-me para entrar no curso de Serviço Social. Qual não foi a minha surpresa quando descobri que o tal curso era num Instituto privado com propinas altas demais para o meu orçamento de trabalhador-estudante com rendimentos (altos) que não davam direito a bolsa (paradoxal), e não tive outro remédio senão ir para o ensino superior público. Entrei em Filosofia. E foi por causa dessa experiência de 2 anos que deixei de ler quase que completamente.
E sei que é por causa da falta de leitura que não sei escrever suficientemente bem para conseguir materializar os meus pensamentos e ideias em palavras escritas articuladas com a mestria dos letrados.
Nunca fui muito de leituras, o meu corpo precisava de movimento, a minha mente precisava de criar, a minha mãe necessitava da minha ajuda em casa, o meu pai levava-me para o seu trabalho, o meu ser vibrava com a  interacção com a natureza e o com o amor dos animais. E quando comecei realmente a ler, foi quando entrei na universidade. E qual não foi o meu desapontamento quando muito do que li até parecia escrito por mim (a essência, não a forma genial de descrever e sistematizar as ideias), as minhas reflexões sobre a humanidade e a sua justiça, ética e a metafísica, estavam ali. Senti-me miserável, um leigo a sentir que já sabia aquilo que os mestres do pensamento nos legaram.
O impacto foi tão grande que abandonei os livros e o curso de Filosofia. Voltei à acção, para colocar a Filosofia sobre o Bem e a Justiça na prática. Acabei por me licenciar em Serviço Social (recebi uma herança de uma tia-avó), e para isso li livros muito específicos, de Direito, como o Código Penal e Civil e Direito de Família, Sociologia, Antropologia, Políticas Nacional e Europeia, Economia, Estatística, portanto, mais técnico e com uma forte vertente prática (2 anos de estágio). Fiz relatórios de estágios bem cotados e uma tese de investigação social inovadora naquele Instituto. Mas pouco lia. Lia o essencial.
Preciso de escrever, escrevo quase todos os dias, mesmo que de nada se trate, mesmo que sejam futilidades, esquemas ou planeamento da vida prática, mesmo que sejam coisas simples e de senso comum. Crio pensamentos em vez de ler pensamentos porque, de certa forma, penso que tenho tido receio em perder a minha, senão originalidade, pelo menos a genuídade ou a inocência. Não queria sofrer influências ao ponto de não conseguir ser independente no pensamento.
Mas depois de tantos anos a escrever coisas inúteis, por não ter vocabulário e bases suficientes para me expressar, por querer aprender mais, começo a chegar a uma fase menos arrogante (quem sou eu para recusar estudar os mestres?) e já sem medo de sofrer influências e perder-me de mim.


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