As pessoas dizem que não gostam de sofrer, mas estão sempre em sofrimento.
Um mundo de sofrimento auto-infligido pelos dogmas, pela violência, pelo medo, pela soberba, pela doença, pela ignorância.
Fiquei sem voz, sem palavras, só emoções que me rompem os tímpanos e as entranhas de sensações estranhas por estar a existir nesta dimensão tão densa de dor, confusão e turpor.
E despertar doi, a luz ofusca, e há este resistir em não ser especial , porque a responsabilidade é maior, e há esta tentação em seguir o caminho mais fácil, o das ruas da amargura, do fatalismo, da crença cega em algo que não vale nada.
Abruptamente invadem-me rios lamacentos de incertezas, de perdição humana, tão perdida como uma criança numa floresta à noite a ouvir o silêncio dos pirilampos.
Depois vem a música, aquele veículo de comunicação que às vezes toca os pés da eternidade , essa essência perdida no espaço que é tão eterna quanto misteriosa e que nos esmaga de tanta grandeza que até parece bom demais para acreditar que é verdade.
E nessa descrença no milagre do sagrado, que foi profanado e conspurcado pelos medos e ímpetos violentos vividos através dos tempos humanos, cá estamos em queda, como a Alice, que disse ter visto um coelho atrasado que nem sabe porque está atrasado, mas o facto de estar atrasado dá-lhe um propósito de vida, ir sem saber porque se vai, ou melhor, vai-se por medo, porque existe uma rainha que corta cabeças. E esta mistura de queda com a ilusão de ter que ir, é como a coca-cola com whisky que rebenta com o fígado e o cérebro.
Fuga, sai de retro, vou para a frente, vou para trás e rodo e volto a avançar, e doem-me os joelhos porque não me consigo dobrar.
Roçar na morte da carne, tão tentador, roçar no renascimento em outra vida sem corpo, somente yin e yang disperso na não matéria.
E depois vejo o rosto dos meus filhos, tão lindos, e vêm os apegos terrenos, o toque, os abraços, os beijos, os cheiros, a comida, a música, ah a música.
E o resultado da esplanação dá para ver que faço parte do clã de ser gente, a gente que sofre, mas a diferença, é que sabendo eu que o sofrimento é uma ilusão, doi tanto que até dá mais vontade de viver, seja no planeta Terra, seja onde for.
A Vida é complexa e simples, criativa, abundante e livre.
Os animais não têm leis nem governos, há uma espécie de organização natural em que todos sabem fazer o que é certo para não destruir a sua fonte de recursos,
os ventos não têm ministérios de ensino, porque viajam dando liberdade à sua curiosidade,
os rios não casam, unem-se e vão juntos em direcção ao mar,
os mares não têm hospitais pois o sal previne as doenças,
as árvores não precisam de bancos, contratos e espaços comerciais, porque toda a riqueza que produzem é distribuída por todos que precisam dos seus frutos, abrigo e sombra,
as nuvens não são exércitos armados, apenas carregam nutrientes e água para nutrir todos os que vivem na terra ,
os lagos não dão as notícias, apenas refletem
e o sol não tem uma empresa para gerir o sistema solar, pois a sua liderança inspira os planetas a seguirem-no numa dança perfeita através do espaço.
A vida Humana é complicada, melodramática, violenta, obcecada pela verdade e cheia de prisões legais e mentais.
Isto porque me contava que o seu cão teve um problema e levou-o a uma clínica tão impressinante, que em 70 anos de vida nunca tinha visto um hospital para pessoas com aquelas soberbas condições físicas e humanas.
Fiquei a refletir por uns dias sobre o assunto.
E vagueei sobre a vida daquelas pessoas que perderam a fé nos outros (embora quem perde a fé nos outros, perde também a fé em si) e dedica-se aos animais, sendo o mais adorado os da espécie canina, sempre disponível para todos os caprichos humanos, activos, engraçados e tão dependentes que até dá gosto ter a tal âncora que seus donos tanto precisam.
Também já tive muitos cães, e adoro cães, mas acho estranha esta forma moderna de se relacionar com eles, mais parece uma dependência que uma relação de partilha de amor livre.
Depois, os meus pensamentos voaram, incrível o que os pensamentos podem fazer, e sobrevoaram sobre a indústria à volta dos animais de estimação das pessoas que vivem nas cidades, desde spas e hotéis até comidas especiais e roupinhas.
E depois comecei a tripar quando me lembrei que estas mesmas caridosas pessoas, que dizem amar os animais, comem carne de animais que levaram uma vida de dor, exploração, solidão e medo. Sem falar dos antibióticos, hormonas de crescimento e mais uns pozinhos de perlimpimpim produzidos nos laboratórios da senhora poderosa indústria farmaceutica, para que a meta do lucro seja alcançada, e que é ingerida por aqueles que mastigam as suas carnes doentes.
E já ia eu lançada na montanha russa de emoções que os animais humanos me provocam, um mix de desprezo e compaixão, incredulidade e susto, desgosto e desapontamento e assim por diante, que tive que correr para aqui e vomitar toda a minha má disposição que estes meus pensamentos me provocaram.
Até eu queria ser um cão, não para receber atenção, mas para me livrar do pensar.