23 junho 2021

35 anos depois

Linda flor num vaso

No parapeito da janela

As pessoas passam por acaso

Sem perceberem a presença dela


E assim, o tempo passou

E a rotina das pessoas continuava,

De sede a linda flor murchou

Porque ninguém a regava


Os fortes raios de sol a torravam

As pessoas agora faziam caso

Com desdem a olhavam

"- Que feia flor naquele vaso."


Junho 1986


35 anos depois e nada mudou...

09 junho 2021

"Dou-te um pontapé no cu, que morres de fome no ar"

Meu amigo, meu irmão, meu amor

44 anos do sol juntos

As torradas de trigo transgénico com manteiga e a ciência eram as tuas aliadas

Afinal  vamos todos morrer um dia

E o que importa é viver no agora

Mas eras tão novo, tão perto de mim, tão sorridente

Meu amigo, meu irmão, meu amor

Cabrão que não me ouviste

Que não ouviste o teu corpo

Meu querido, meu amor

Tomar banho no rio Alva

Tão gelado como a morte

Nós nus, como a vida.

A minha primeira viagem na moto bmw de Coimbra Porto

O festival de 1982.

A saudade dos 10 anos separados por um oceano

E reencontro e os nossos filhos

A tua afilhada sem padrinho

Oh Mike, meu amigo, meu irmão, meu amor

Nus deitados numa cama de hotel 

De destinos cruzados

Sem carne, só amor fraternal

Meu irmão mais velho, meu amigo, meu amor

Carago, puta da minha vida

Apressaste-te

03 junho 2021

“Don’t cry”

As pessoas dizem que não gostam de sofrer, mas estão sempre em sofrimento.

Um mundo de sofrimento auto-infligido pelos dogmas, pela violência, pelo medo, pela soberba, pela doença, pela ignorância.

Fiquei sem voz, sem palavras, só emoções que me rompem os tímpanos e as entranhas de sensações estranhas por estar a existir nesta dimensão tão densa de dor, confusão e turpor.

E despertar doi, a luz ofusca, e há este resistir em não ser especial , porque a responsabilidade é maior, e há esta tentação em seguir o caminho mais fácil, o das ruas da amargura, do fatalismo, da crença cega em algo que não vale nada.

Abruptamente invadem-me rios lamacentos de incertezas, de perdição humana, tão perdida como uma criança numa floresta à noite a ouvir o silêncio dos pirilampos.

Depois vem a música, aquele veículo de comunicação que às vezes toca os pés da eternidade , essa essência perdida no espaço que é tão eterna quanto misteriosa e que nos esmaga de tanta grandeza que até parece bom demais para acreditar que é verdade.

E nessa descrença no milagre do sagrado, que foi profanado e conspurcado pelos medos e ímpetos violentos vividos através dos tempos humanos, cá estamos em queda, como a Alice, que disse ter visto um coelho atrasado que nem sabe porque está atrasado, mas o facto de estar atrasado dá-lhe um propósito de vida, ir sem saber porque se vai, ou melhor, vai-se por medo, porque existe uma rainha que corta cabeças. E esta mistura de queda com a ilusão de ter que ir, é como a coca-cola com whisky que rebenta com o fígado e o cérebro. 

Fuga, sai de retro, vou para a frente, vou para trás e rodo e volto a avançar, e doem-me os joelhos porque não me consigo dobrar.

Roçar na morte da carne, tão tentador, roçar no renascimento em outra vida sem corpo, somente yin e yang disperso na não matéria. 

E depois vejo o rosto dos meus filhos, tão lindos, e vêm os apegos terrenos, o toque, os abraços, os beijos, os cheiros, a comida, a música, ah a música.

E o resultado da esplanação dá para ver que faço parte do clã de ser gente, a gente que sofre, mas a diferença, é que sabendo eu que o sofrimento é uma ilusão,  doi tanto que até dá mais vontade de viver, seja no planeta Terra, seja onde for.