E o mundo rasga-se a meus pés, a loucura colectiva
abrilhantada pelas cores artificiais, os alimentos fabricados por robôs, os animais
escravizados em agonia. As drogas ajudam na ilusão, no alívio da dor, a dor que
volta sempre, e precisa de mais droga. A falta de imaginação, a falta de
criatividade, a falta de amor, reflete-se na música vã, nos costumes amorais,
nas crenças fúteis. Os que governam as nações, governam-se a si completamente alienados
da missão de servir, os podres de ricos arrancam os dentes para os substituir
por diamantes, cortam as mamas para as tornar maiores, injectam-se para ficar
com as nádegas salientes.
Os obesos enchem-se de comida sem alma, os doentes alimentam
a indústria farmacêutica que rejubila na sua piscina de moedas, as crianças
são engolidas pelas máquinas…
Vivemos numa linda casa com todos os recursos necessários, temos
um corpo fantástico e o livre arbítrio, somos livres, e com essa liberdade de
escolha escolheram os muros, construíram prisões, estabeleceram limites e
fronteiras e elaboraram leis. Criaram a propriedade e os ídolos, mesmo assim,
ainda não se aperceberam, não têm qualquer consciência de que somos livres para
criar o que quisermos, para criar a doença (desequilíbrio) ou a saúde
(equilíbrio), o mundo é um espelho das nossas livres escolhas, obviamente há
uns que escolhem por outros, mas os outros aceitam pois acham que assim deve
ser, legitimam os opressores, até inventaram tal da democracia, outro mecanismo
de ilusão de justiça e liberdade, votam neles e conformam-se. Outros inventaram
um ídolo, um tal de Deus, ou Deuses, para não assumirem a responsabilidade
pelos seus actos, é mais reconfortante mandar a culpa para uma entidade lá em
cima que julga as almas, ahahah, que alegoria tão engraçada. E os mais
sensíveis dizem que esse Deus é injusto, santa ignorância.
Pensando bem, é uma grande estupidez a forma como os humanos
usam a sua liberdade de escolha, porque será que gostam da dor, das prisões e da
injustiça?
São como crianças a brincar com o fogo ou aprendizes de
feiticeiros a fazer poções venenosas.
Qualquer coisa deu muito errado ou então ainda estamos nos
primórdios da civilização humana, a experimentar o poder ilimitado, cheios de
medo desse próprio poder, ainda somos uns ignorantes e não sabemos usar o nosso
livre arbítrio, é mais fácil ser vítima e não assumir a responsabilidade.
E eu, feliz da vida, ando por aqui. Quando era mais jovem
pensava que era anormal, mergulhei no mundo dos limitados e não fez sentido,
escolho ser anormal, até posso estar a viver num enquadramento doente e
limitado mas sinto-me livre. Já senti raiva e revolta mas agora nem por isso,
faço a minha parte, sirvo os presos, levo-lhes alento e esperança, enfeito as
suas celas, sorrio com um sentimento solidário para com os meus irmãos
aprisionados. Já tive pena, mas agora tenho apenas compaixão, principalmente pelos
opressores, pelos terroristas, pelos fanáticos, pelos carcereiros que são mais
doentes que as suas vítimas.
Leio os poetas e não sofro, vejo as crianças a morrer à fome
e não me encho de raiva, apenas observo, umas vezes entristece-me, inevitável
perante tanta desgraça, mas essa tristeza não chega ao meu coração, pois este
está a brilhar de amor e alegria.
O sofrimento é uma limitação da consciência.
O Ego, sei lá, deve andar por aqui a fingir que é um ser
sábio, deixo-o fingir mas não lhe dou muita atenção, observo-o entretido, cheio
de soberba e arrogância, um dia acabará por sucumbir.
Estou só, muito só, mas não sinto solidão.
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