E quando as luzes se apagarem, o meu corpo mole de cansaço
deixar de sentir, o sonho a criar histórias sem nexo, viagens da mente sem
regras, fui lá, fui lá ver, e estavas tu a correr com uma tocha, a iluminar as
ruas medievais, os sinos da igreja chamaram os cães que te perseguem com
bandeiras na boca. E eu observo a tua agonia, o teu medo, o teu ímpeto de
revolta a perder-se no nevoeiro.
Mais um dia, mais um hábito, estou a deixar os vícios? Estou
a ser novo ou a repetir copiosamente o fácil? Tão triste, tão contente, alegremente
vivo esta vida sem sentido que tem tanto de sentido que não dá para não sentir.
E ver que sou cego, perro do coração e perdido no espaço,
sim, porque vivo numa bola azul perdida no espaço. Rodeiam-me tantos como eu,
tão feios e maus, tão belos e inspiradores como deuses, anjos sem asas.
Que
brasa, estou quente, não é febre, é o sol, é sangue a correr. E lá vou eu por
estas veredas da vida, sem nada saber, ora fico surdo de tanto prazer, ora fico
oco de tanta solidão, ora engole-me o mistério e fico a flutuar.
E quando as luzes não voltarem a acender-se, velarei pelos
vivos ou viajarei no negrume da antimatéria?