Quando chegou àquela terra de cor
vermelha aos 13 anos, o maravilhoso Brasil, a sua vida mudou. Uma rapariga
cheia de vida foi parar àquele ermo feio, no meio da bela floresta tropical de
altitude com um clima seco quente e frio no Inverno e húmido e quente no Verão.
No Verão, chovia quase todas as tardes depois do lanche alagando em minutos as
ruas de terra, e depois dos húmidos e belos pores-do-sol chegavam os sapos
gigantes para comer o excesso de insetos enlouquecidos à volta dos candeeiros das
longas e largas ruas. Tinha tudo para ser feliz naquele lugar luxuriante e onde
tudo era maior. Acontece que as pessoas que lá viviam não eram tão belas quanto
a natureza que as rodeava. Ela era estrangeira. Uma descendente de colonizador,
neta de uma das mulheres mais importantes da região e arredores e filha de um
guitarrista de rock’n’roll! Uma bela mistura para cair na ribalta sem número,
nem vontade. Tornou-se tímida e gorda depois de tanto assédio e olhares de
inveja ou cobiça. Isolou-se de tudo. Até da escola a sua mãe a tirou. Maior o isolamento. Tinha os seus cães. Chegou a ter sete. Levava-os
para os campos para ver o pôr-do-sol da colina mais próxima da sua casa. Para
além da companhia avisavam sempre que apareciam cobras silenciosas, porque as
cascavéis dão ao chocalho e sabe-se logo que as há por perto. Mas tirando estas
delícias da natureza, da mesa farta e grande da família linda e culta reunida,
pairava uma nuvem de frustração, de constante tormento que foi crescendo à
medida que lhe cresciam as mamas. Era um meio pobre, não somente pobre
materialmente, mas pobre de espírito, aquela gente que já perdeu a inocência
das gentes simples do campo, mas que ainda não bebeu do desenvolvimento,
principalmente intelectual e espiritual. Estagnou. Morreu lentamente naquelas
tardes quentes em que se deitava na cama a ver as nuvens a passar no céu do seu
quarto sem janelas de vidro, vagarosamente....
Pior foi aquela mudança de terra,
de Florestal para Tavares, lugar horrendo sem árvores, com uma terra quase
branca e com gentes feias e ainda menos evoluídas. Horrível, como sofreu, não
fosse a sua amiga, que por sinal tinha fama de prostituta (que uns anos depois
seria assassinada), acalentar-lhe com as suas gargalhadas contagiantes nas
aulas noturnas e a rádio pirata que apanhava bandas desconhecidas da Europa, se
calhar tinha-se matado! Nem a comida maravilhosa da sua mãe, nem os caracóis
dos seus irmãos, nem as grinaldas sonoras do seu pai acalmavam o seu
sofrimento, foi aí que começou a escrever, aos 15 anos. Refugiava-se horas a
escrever nada de especial, nada de útil. A família voltou para Florestal e a
única escola disponível na zona era uma escola de agricultura, fantástica
fazenda escola, com pomares, plantações, animais, instalações soberbas,
professores experientes. Mas como tinha sistema de internato, dos cerca de 300
alunos, havia somente 3 ou 4 raparigas. Ela, com 17 anos, com um belo sorriso e
grandes mamas, estrangeira, filha e neta de gente ilustre, sofreu o maior
tormento que uma adolescente poderia sofrer rodeada de tanta testosterona.
Sentia-se uma gazela no meio dos leões, hienas e mabecos. Se fosse uma rapariga
de farra, mas não, não bebia, nem fornicava, nem dava confiança a caipiras ou putos
da cidade com jeito para inseminar vacas. E o clubinho? Um lugar horrível onde
se encontravam para dançar aquelas músicas foleiras dos anos oitenta, com
aqueles cabelos de nego alisados e os folhos das mini-saias em pernas feias.
Adorava viver com os seus pais,
odiava ter que sair de casa para conviver com os outros. Mas no fundo, não
passava de uma rapariga normal, de talentos adormecidos e vontades reprimidas.
Por isso lá ia tendo umas pseudo-amizades e conquistando os corações dos melhores
partidos da região que ficavam ofendidos quando repudiados. Ai como viveu à
margem, como cresceu para dentro. Quantas vezes deixou de os ouvir? Quantas
vezes fingiu que era engraçado?
Aos 18 anos decidiu ir viver numa
cidade grande depois de ter conhecido a Cristina, a ex-namorada do rapaz mais culto
da região pelo qual nutriu um amor platónico. Não o conhecia, mas mandava-lhe
poemas de Alberto Caeiro porque sabia que ele ia saber lê-los. E lia-os com
ela, liam-nos os dois. Mas Cristina é que se apaixonou por ela e ela por
Cristina. É o seu tesouro do Brasil, a sua turmalina Paraíba. E na cidade
conheceu um rapaz que nutria genuíno amor por ela. Perdeu a virgindade, por
ele, não por si, por isso não foi bom, não foi nada bom todo o namoro. E o
pouco de bom, sabia a pouco porque era por pouco tempo. E ela, como pouco sabia
dessa matéria, pensava que era assim e o problema era dela, ela é que não
conseguia lá chegar. Um ano depois voltou para casa dos seus pais porque não
gostou nada da cidade, tinha mais medo de andar nas suas ruas, que nos campos
cheios de cobras, de marimbondos, de aranhas, de formigas vermelhas e de tantos
outros animais venenosos e picantes. O seu namorado visitava-a todos os
fins-de-semana. Mas quando se conjecturou um noivado, não, não
podia casar ainda. Ir para Inglaterra aprender
Inglês e poder voltar e ter um ofício na cidade onde ele queria viver com ela foi a melhor opção que julgou tomar. Já lá vão
mais de 20 anos; bem que ele disse que ela nunca mais ia voltar. Tinha razão.
1 comentário:
E ali seu criou este <3 de Romeiro...
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