Há muito trabalho, só não trabalha quem não quer. Se quisesse, a Maria começaria a trabalhar amanhã.
Então porque a Maria continua desempregada? Sei lá, deve ser preguiçosa ou presunçosa. Talvez presunçosa, só porque tem um curso superior e mais de 20 anos de experiência profissional acha que não pode pegar qualquer coisa.
Mas se ela precisa desesperadamente de um trabalho, porque não faz qualquer coisa?
Em Portugal, o mercado de trabalho não é assim tão linear, os governos investiram no ensino, fabricaram fornadas de licenciados, e o que os governos parecem ter-se esquecido foi de estimular políticas/práticas de desenvolvimento que absorvessem as novas fornadas de capital humano, sem ter que se desfazer do capital humano antigo, ou antiquado?
Mas para a Maria estas considerações de pouco valem, porque o que lhe interessa neste momento, é ter um trabalho. Não vale a pena culpar os Governos ou a cultura laboral de um país.
E sim, existe muito trabalho, o problema até nem está no trabalho, mas no retorno que o trabalho dá. O salário. Maria tem várias propostas de trabalho, claro que tem, é só olhar para o jornal, internet e ver:
Ajudante de cozinha, empregada de mesa, empregada doméstica, ajudante de lar. Tudo trabalhos úteis, com salários entre os 450€ a 700€. Há restaurantes que pagam bem, 900€ a 1500€ e refeições grátis, mas é preciso experiência, não é qualquer um que pode servir num restaurante na Quinta do Lago ou da Marinha.
Também há outras oportunidades, como concorrer a concursos das autarquias ou Segurança Social, que são quem mais contrata pessoas com a sua formação académica. E fez muitos concursos pelo país inteiro. Sim, ela até recebeu uma proposta para trabalhar numa Junta de Freguesia a ganhar 750€ sem contrato e a recibos verdes. Contratos de trabalho, também os há. Teve a oportunidade de ter um a receber 450€, mais subsídio refeição de 5€/dia, mais 3% de comissões em artigos que custam em média 15€ cada. Para isso, só teria de ter viatura própria e vender 500€/dia. Que belo trabalho, a de caixeiro-viajante! Ainda há mais, e melhores, como secretária ou administrativa a ganhar 850€ a 900€. Então, com a sua experiência, até poderia ser responsável de compras de um departamento de uma grande empresa nacional, na área dos supermercados, a ganhar 1500€. Isto sim, qualquer Maria gostaria, se não se importar em sacrificar os filhos para poder dar o seu sangue a estas empresas ou multinacionais do género.
Mas é nas casas de alterne e nos serviços de acompanhantes que se paga bem, os salários variam entre 1500€ a 3000€. Mas Maria, para além de ter passado a barreira dos 40 e a sua beleza ter entrado na linha descendente, é uma mulher sem formação para estes tão exigentes labores. E coitada, uma mãe de família não tem vida para se deitar às tantas da madrugada.
O mais irónico é que Maria teve propostas de empregos a ganhar 4x ou 5x a mais em Inglaterra, Angola e em Macau. Mas para os aceitar teria de escolher, entre o seu trabalho e a sua família. Escolheu a família e continua sem emprego.
Bem, enfim, não é preciso contar mais peripécias de uma Maria real (isto não é ficção), que anda há 2 anos à procura de uma oportunidade justa de trabalho.
O que quero demonstrar com esta história das Marias portuguesas que não conseguem trabalho, mesmo com habilitações e experiência profissional, é que Portugal é um país estranho, para não dizer, um país com uma frágil justiça social.
Um país em que a média de valores de arrendamentos de simples apartamentos T2 é de 500€/600€ e a média dos salários é de 800€. Como é que uma Maria, que nem se importe de fazer qualquer coisa, pode viver? Como é que as Marias que estudaram, porque lhes disseram que teriam mais hipóteses de arranjar melhores empregos, vêm-se em situação de desespero porque não conseguem fazer-se valer dignamente?
Muitas Marias até têm espírito empreendedor e ideias de negócio, mas nem sempre capital para investir. Os QRENs da vida, sim ajudam muito, àqueles que estão bem relacionados. Empréstimos bancários, só para quem tem dinheiro. Tachos? A maioria das Marias têm-nos muitos, mas na cozinha. Não, não, isto já não é como nos tempos dos nossos pais ou avós. Até as Marias que nasceram em famílias burguesas começam a ser afectadas por esta realidade burlesca. E as Marias que investem a tornarem-se um pouco mais independentes do sistema escravizante, arriscam-se a não receber os seus honorários como consultoras externas, de tão maus pagadores impunes que para aí andam. Não fossem algumas ter uma mãe, pai ou irmãos para as ajudar quando isso acontece, muitas estariam a buscar comida ao Banco Alimentar.
Afirmava o nosso primeiro-ministro de peito estufado e sorriso de totó, aquando do seu discurso na inauguração de mais um jardim-de-infância – “Portugal é o país da Europa (e talvez do mundo) com mais crianças a frequentar o ensino pré-escolar”. Otário, como se isso fosse um bom indicador de desenvolvimento. É exactamente o contrário, as crianças são despejadas com tenra idade nas gaiolas decoradas, das 8 da manhã até às 8 da noite, para que ambos os progenitores possam trabalhar.
Como é que uma cultura laboral põe em causa a educação das gerações vindouras de um país? Pelo menos penso que é de responsabilidade da família educar as crianças.
Isto é mesmo um cenário tétrico!
É melhor acabar por aqui, já estou a ficar com dores de estômago.
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