26 outubro 2009

A menina dança mais um Tango?

Tenho uma amiga que costuma dançar o tango fora do tempo. Tem por hábito apaixonar-se em timings errados. Porque a vida, neste caso amorosa, só é bem sucedida quando as acções conjuntas de dois seres apaixonados estão em harmonia com o universo e tudo corre a seu tempo, dentro do seu tempo. Mas parece que não é o caso aqui com a minha amiga de infância.

Aos 12 anos uns amigos dos seus pais foram passar férias na sua casa durante 2 meses. Ele tinha quinze anos e era atleta. Os primeiros beijos por longas tardes de verão, debaixo dos lençóis, na serra da Velha ao vento ou no tanque da milhariça. Ele quis ser o primeiro, mas ela fugiu para outro país.
Ligou-se novamente aos 17, por um alto e belo jovem de que nem sabia o nome. Amor platónico. Quando soube o seu nome, passou a enviar-lhe poemas de Alberto Caeiro. O Clubinho estava cheio no sábado à noite e os seus olhos cruzavam-se e ela sentia que ele gostava dela. Mas ele tinha uma namorada e elas conheceram-se. Quando ele quis estar com ela, já era tarde, tinha escolhido a namorada. Continuam grandes amigas.
Aos 18 foi aquele guitarrista, também muito alto com longos cabelos negros e olhos verdes. Quando a viu no Cabaré Mineiro, lugar de boa música, os seus olhos soltaram faísca. Conversou com ela. Um ano depois, numa noite quente de verão estavam todos na esplanada do tal mítico lugar. Os seus olhares cruzaram-se novamente e só os separaram o oceano Atlântico. Pois é, ela tinha sonhos e teve mesmo que mudar de país para os poder realizar.
Novos costumes e climas, mas o carrossel continua a rodar. Estava só e não conhecia ninguém, quando apareceu um rapaz com cara de mau e olhos doces num citroen dois cavalos vermelho. Tinha 22 anos e ainda não tinha experimentado sexo daquele calibre. Mas ele olhava-a com faíscas e ela não o quis magoar e fugiu.
Caiu despercebidamente nos braços do estudante de artes de trabalhar as madeiras, com caracóis, aqueles caracóis onde gostava de mergulhar os seus dedos, a contemplar o rio pelos miradouros de Alfama. Tornaram-se tão amigos que já não podiam ser amantes. Foram 6 anos belos, quase perfeitos, não fosse ela ter conhecido pelo meio, um inglês de olhos azuis que gostava de Iggy Pop. Foi nessa altura que ela me disse que tinha encontrado o seu primeiro amor, com 26 anos. Pois, mas o namorado não a podia deixar ir, e para piorar o cenário, o inglês tinha uma noiva na Turquia, um hábito estranho e foi trabalhar para a Tailândia. Ela esteve à morte, ficámos deveras preocupados com os seus 45 kg.
Mas lá se recuperou e aos 29, deixou-se embalar pelo som do técnico de som, um gajo 5 estrelas, o sexy boy com quem, pela primeira vez, teve o tal sexo mágico de que só ouvira falar. Era mesmo uma química, dizia ela. E quis ser sua namorada, mas ele… não se sabia o que queria.
Reencontrou o atleta que passou a campeão em subir montes e escarpas. Numa escalada na serra de Sintra desejou-a de tal forma que ela teve que fugir.
Aos 30, chegou um Flamengo com sardas e voz de trovão, amante da acção e do dia. Foi quase um rapto. Deixou-se ficar. Ele fazia-a rir e ela deu-lhe a perspectiva de um projecto de vida. Trabalhavam juntos e levavam uma vida interessante.
Visitando o país onde o guitarrista ficou, reencontram-se e ele disse que ainda a amava. Choque brutal para ela, triste para ele. Impossível voltar.
Até que um dia ela engravida, pretexto para o Flamengo a pedir em casamento. Ela não queria. Já era a 3ª vez que dizia não a um pedido de casamento. Francamente, já tinha 33 anos. Acabou por casar… não quis admitir que estava insegura naquele passo e investiu no projecto de família. Dois anos depois engravidou outra vez.
Numa noite, grávida linda e luminosa, reencontra por acaso, aquele com cara de mau e olhos doces. Os olhos dele soltaram faíscas e ela fingiu que não tinha percebido. Nessa mesma noite, reencontra o técnico de som e ele também tinha faíscas nos seus olhos. Que noite!
As coisas no seu casamento começaram a correr mal. Num dia frio de Janeiro, com os olhos turvos de lágrimas, decidiu que se ia divorciar. Critiquei-a quando não aproveitou um flirt do marido para justificar o seu intento. Mas ela achava que isso era um golpe baixo e falta de solidariedade para com alguém que estava a passar uma crise emocional e financeira.
E o carrossel começa a acelerar. Ela reconheceu o sentimento de amor, aquele que só havia sentido uma vez pelo Inglês. Desta vez, por um jovem político e escritor promissor, - Lindo e com os melhores beijos do mundo e arredores, dizia ela com um sorriso de teenager – confesso que pensei – Está fudida! Para sorte dela, o jovem não estava na mesma onda e com muita relutância lá vai ela “matando” aquele sentimento.
O tal com cara de mau e olhar doce tem vindo aproximar-se, até que um dia confessou amá-la de verdade. Tanto amor desperdiçado…
Como se não bastasse, ironia do destino, ela reencontra o Inglês. A princípio não se apercebeu, mas depois de desabafar como estava difícil acabar com o seu casamento é que se deu conta; convidou-a, e aos seus filhos, a ir viver com ele em Inglaterra. Esta descoberta de que ele a tinha amado e que quer estar com ela novamente, foi como uma bomba! Há muito que não a via tão transtornada. Confesso que até eu estou estupefacto e confuso com estes acontecimentos.
Isto já não é um carrossel, é uma montanha russa! Ela acaba de fazer os 39 anos, uma década de reencontros com ex. que ainda a amam, um marido que não a deixa ir e um amor não correspondido.
Que cena! Uma vida de encontros desencontrados. Esta rapariga dá-me que pensar.
O que explica todos estes retornados do passado? Será que ela não tem o seu amor porque tem que pagar pelo amor desperdiçado? A lei do retorno costuma funcionar assim. Será? Ela é responsável pelos seus sentimentos e acções. Mas será responsável pelos sentimentos dos outros que sentem e não sentem por ela? Será ela responsável pelos timings dos encontros ou existe uma cruel fatalidade do destino? Poderá ela controlar os timings? Para mim permanece um mistério.
Mas mesmo depois destes tornados de emoções ricas e dolorosas, ela continua a acreditar que valeu/vale a pena passar por tudo isto e diz que para a próxima vai correr tudo bem. Admiro a sua esperança. A sua coragem. Tão ingénua! Tão doce e tão bruta. Tão complexa e instável ao mesmo tempo simples e segura. Ora submissa, ora independente. Tão mal-humorada ao acordar e sorridente ao longo do dia. Tão genuína e trapalhona com as palavras. Não é uma beleza, mas é bela e apetecível aos olhos daqueles que a amam. Vive intensamente cada momento, cada sentimento, seja de alegria ou de dor. Tem uma capacidade extraordinária para recuperar das desgraças e dissabores e, cómico, leva-as na bagagem como experiências enriquecedoras. É a rainha da resiliência. Tem fama de sonhadora, é-o de uma forma inexplicavelmente impecável, de uma vontade inabalável para ultrapassar o medíocre, o corriqueiro e o socialmente aceitável e sem receio de continuar a arriscar até encontrar o seu amor.
É natural que aceite mais uma dança.
Adoro-te amiga, estou contigo.

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