As minhas avós morreram.
Tiveram longas vidas.
A Mêmê, Lia, a avó paterna
nasceu em Lisboa em 1919, filha de famílias dos arredores de Coimbra foi para
Paris aos 3 anos de idade. O seu pai era joalheiro e fazia peças para Lalic e
outros clientes prestigiados. Na idade escolar foi para um colégio de freiras
onde não gostava de dormir. Tornou-se a melhor aluna para poder ir dormir a
casa dos pais. Queria estudar medicina.
Uns anos depois, em 1927 nascia
em Nova Lisboa, hoje Uambo, a minha avó materna, a Vóvónita, Anita, filha de um
emigrante português com uma pobre mulatinha. Como era um homem de bem, foi
buscar a filha com 2 anos e enviou-a para a capital do Império viver com os
padrinhos abastados a fim de receber a melhor educação. Adorava os padrinhos e
vice-versa, patinava com mestria e foi campeã de ténis.
Andavam bem as duas nas suas
vidas de estudantes exemplares quando se deu a 2ª guerra mundial. Hitler invade
Paris e a Mêmê e a sua mãe apanharam o último comboio que saia de França após a
ocupação. Ficou exilada em Portugal, interrompeu os estudos porque não falava
português.
O pai da Vóvonita entretanto tinha
já casado e com a vida estruturada manda vir a sua filha de 15 anos de volta
para Nova Lisboa. Foi o primeiro grande desgosto dela, mal conhecia o pai…
Mas como o universo é generoso, os ventos trouxeram-lhes os seus amores (para sempre) e casaram.
O marido da Mêmê foi construir
as fábricas de cimento da Matola em Moçambique durante a década de 50 e foi lá
que o meu pai passou a infância. No início de 60 voltam para Portugal indo
viver em Oeiras.
A guerra das colónias começou, a
Vóvónita cansada das aventuras libidinosas do meu avô, volta à capital em 1962
para criar os seus 5 filhos sozinha, na Parede.
Foi aí, por volta de 1968 que os
meus pais se conheceram.
A Mêmê viveu o seu grande amor,
50 anos de vida partilhada com muita alegria e cumplicidade. Viajou pelo mundo,
era culta e uma mulher distinta. Uma mãe próxima, avó e bisavó interessada. Uma idosa
inspiradora que cantava Edith Piaf nas festas, que tinha mais amigos jovens e
que conduziu até aos 90 anos.
A Vóvónita decidiu voltar para
Angola em 1970, mas com a guerra mudou-se para o Rio de Janeiro em 1974 e
acabou no interior de Minas Gerais. Foi uma empresária de sucesso com clientes
em todo o país. Mas nunca mais amou ninguém, embora separados, a família sabe
que os avôs nunca deixaram de se amar, continuaram casados durante 50 anos e terem
a desculpa para não se comprometerem. Uma mulher elegante, bela "guerreira" e educada. Uma
idosa conselheira e viajante, andava sempre a visitar a família e amigos entre
estados do Brasil, o Arizona e Portugal.
Por causa da união dos meus pais
tornaram-se amigas, não por obrigação ou conveniência, mas porque se admiravam,
talvez de tão diferentes que eram uma da outra. Tinham em comum a boa educação, um grande amor e as palavras cruzadas. Acabaram
ambas velhinhas a viver com os seus filhos “preferidos” e rodeadas de cuidados,
amor e atenção. E morreram no mesmo ano e mês com dois dias de diferença.
E eu perdi as minhas adoradas
avós, assim, de acentada, mas aceito com serenidade porque tive relações muito
especiais com ambas, contribuíram para moldar a minha peculiar personalidade e
fizeram-me muito feliz.
E estava na hora de partirem
para outras paragens.
E eu ainda por cá vou ficando,
com as minhas memórias, gratidão e amor eterno.